Por Gabrielle Adabo - IEI Brasil
O Fórum Brasileiro de Mudança do Clima (FBMC) – com o apoio institucional do Instituto Clima e Sociedade (iCS), Projeto Kigali, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e International Energy Initiative (IEI Brasil) – realizou o evento “Uma agenda para o Brasil: emissões dos gases F e a Emenda de Kigali”, nesta última terça-feira (15/09/2020). O evento abordou a importância da ratificação da Emenda de Kigali ao Protocolo de Montreal no Brasil, a substituição dos gases HFCs que causam o aumento do aquecimento global, contida na Emenda, além da reciclagem dos gases e os recentes avanços na regulamentação dos padrões de eficiência energética dos aparelhos de ar condicionado. O debate teve falas de diversos atores do governo, inclusive deputados e senadores, e de organizações da sociedade civil. Oswaldo Lucon, coordenador executivo do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima e mediador do evento ressaltou a presença de representantes dos órgãos de governo – Ministério do Meio Ambiente, Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações e Ministério das Relações Exteriores – importantes para os avanços na política climática, segundo ele. Lucon sumarizou a importância da eficiência para o setor elétrico e para a redução das emissões de gases de efeito estufa: “ganhar em eficiência elétrica significa lá na ponta ter de produzir menos eletricidade e se essa eletricidade seria produzida por fontes fósseis nós já temos um abatimento”.
A coordenadora do Projeto Kigali, Kamyla Borges, do iCS, falou sobre o papel e o impacto que a Emenda de Kigali terá para o Brasil. Esse impacto, segundo ela, está na redução de emissões de gases de efeito estufa, mas também no apoio à indústria nacional para adequação às novas regras da Emenda. A coordenadora também destacou “a intrínseca relação entre a Emenda de Kigali e a sua implementação com a eficiência energética no setor de refrigeração e climatização”.
“A Emenda de Kigali é uma emenda que foca no cronograma de redução do uso dos HFCs. A Emenda de Kigali em si não fala de eficiência energética”, explicou Borges. “Porém, quando a gente olha os caminhos e as alternativas existentes para se obter essa redução do consumo dos HFCs, a eficiência energética aí sim entra como uma dessas possibilidades, uma dessas rotas”, completou a coordenadora do Projeto Kigali. Segundo ela, pensar em alternativas para a redução do consumo dos HFCs envolve o avanço tecnológico. No caso da indústria de ar-condicionado e refrigeração, há a “sinalização de uma integração de soluções que trazem mais eficiência energética para a performance do equipamento como um todo, mas também com soluções de baixo impacto de aquecimento global”.
Nesse sentido, Borges apontou a recente mudança regulatória com a publicação da Portaria do Inmetro 234/2020, em junho, que estabeleceu um cronograma de atualização do Programa Brasileiro de Etiquetagem (PBE) para ares-condicionados de até 70.000 Btu/h. “Essa política trouxe duas inovações importantes para o campo da eficiência energética. A primeira delas foi a adoção de um método de cálculo da eficiência energética que traduz a sazonalidade climática de um país tão diverso quanto o Brasil e, portanto, é uma metodologia que mais adequadamente informa a performance dos equipamentos [para o consumidor]”, explicou.
A segunda inovação, segundo ela, é que a Portaria também estabelece uma nova conformação dos níveis de etiquetagem e um cronograma, que começa no final de 2022 (31 de dezembro), com uma nova classificação mais exigente dos equipamentos no mercado. A partir de 2023, os ares-condicionados terão de atender um nível de eficiência energética mais rigoroso para serem classificados como A – um Índice de Desempenho de Resfriamento Sazonal (IDRS) de 5,5. Em 2026, uma nova etapa ainda mais exigente de eficiência energética para a classe A passa a valer, com um IDRS de 7.
A portaria, portanto, "traz um estímulo e uma necessidade de adequação da indústria para atender esse cronograma a partir de 2023”, segundo a coordenadora do Projeto Kigali. O investimento para a adaptação da indústria para ser mais eficiente energeticamente poderia ser adequado para também cumprir o cronograma da Emenda de Kigali a partir de 2024. Essa seria uma oportunidade de ter uma política energética para estímulo da eficiência condizente com uma transição da Emenda de Kigali. Poderia ser estabelecido um cronograma gradativo de transição das tecnologias e dos equipamentos vendidos no Brasil para fluidos refrigerantes de menor potencial de aquecimento global (GWP na sigla em inglês).
Outro dos temas abordados no debate foi a questão do dumping tecnológico, que faz com que empresas de outros países exportem para o Brasil produtos com tecnologias e/ou componentes defasados. Lucon lembrou que nem sempre os equipamentos que estão à venda e recebem o Selo Procel que os classifica como mais eficientes são de fato os melhores por conta desse problema do dumping. "É necessário contrabalancear isso com uma proteção da indústria nacional. Não dá para ter uma concorrência predatória. Por outro lado, a gente não pode correr o risco de sofrer apagões durante uma onda de calor às três horas da tarde porque os nossos aparelhos de ar condicionado são ineficientes", disse o coordenador executivo do FBMC.
O debate também ressaltou a importância da ratificação da Emenda de Kigali no Brasil para que o país não perca o acesso aos recursos do Fundo Multilateral do Protocolo de Montreal – que seriam cerca de 100 milhões de dólares. Esse recurso poderia, inclusive, ser utilizado para a capacitação do segmento de instalação e manutenção dos equipamentos de ar condicionado e refrigeração. Se a Emenda de Kigali não for ratificada a tempo, o país perderá esses recursos que são a fundo perdido.
Suely Carvalho, Senior Advisor do Technical and Economical Panel do Protocolo de Montreal na UNEP-TEAP, também lembra que existe uma regra na Emenda de Kigali que proíbe, a partir de 2033, o comércio com países que não a ratificaram. O adiamento da ratificação, segundo Carvalho, também prejudica a adaptação das empresas e o mercado. “O crescimento do consumo de HFCs no Brasil, se não for controlado logo, vai trazer um inventário de produtos com alto poder de aquecimento global, com esperada obsolescência e que vão ter que ser mantidos durante o ciclo de vida com fluidos refrigerantes que vão estar sendo reduzidos. O preço vai ficar mais caro e o consumidor vai ser prejudicado nesse processo”, explica.
O coordenador do Programa de Energia do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Clauber Leite, falou sobre a importância da Emenda de Kigali do ponto de vista do consumidor. Segundo ele, a aprovação da Emenda traz ganhos de eficiência, que resultam em benefícios para o bolso do consumidor e em um equipamento que gaste menos energia e é mais sustentável, ou seja, que causa menos impacto para o meio ambiente. “Infelizmente, em termos tanto de eficiência quanto de gás, ainda há muitos equipamentos no mercado que ainda não atendem esses quesitos. É preciso ter a Emenda e a força regulatória para promover essa mudança, para que tenhamos esses equipamentos mais eficientes”, disse Leite.
O evento na íntegra pode ser assistido no canal do YouTube do iCS (acesse aqui).
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