Por Gabrielle Adabo
Um webinar reuniu na tarde de ontem (19/05/2020) o físico José Goldemberg e o sociólogo e ex-presidente da república Fernando Henrique Cardoso. O tema central do debate foi o uso da energia de forma mais eficiente e como essa noção passou a fazer parte do sistema energético, das políticas públicas e do cotidiano dos consumidores de energia a partir da década de noventa no Brasil.
O encontro foi promovido pelo Instituto E+ Diálogos Energéticos para o lançamento do estudo “Energia e desenvolvimento no Brasil”, de Goldemberg, que mostra a importância da eficiência energética, especialmente em políticas públicas, para o desenvolvimento social do país. Essa publicação é uma atualização de um estudo anterior, realizado pelo físico em 1998.
Goldemberg explicou que o sistema energético brasileiro, desde 1930, é baseado numa equação simples: é preciso produzir energia. A energia era, até recentemente, vista apenas pelo lado da oferta e existia a “ideia intuitiva”, segundo ele, de que a energia e o Produto Interno Bruto (PIB) crescem juntos, em uma relação linear. Essa ideia “foi sofisticada por volta de 1990, 1995, nos Estados Unidos e na Europa quando as pessoas perceberam que podiam usar a energia de uma maneira mais eficiente”, disse o pesquisador. Mas essa ideia teria demorado um pouco mais para entrar no Brasil. O artigo escrito em 1998 aborda a questão da produção de energia associada ao uso mais consciente.
Goldemberg também lembrou a criação da Lei de Eficiência Energética, que aconteceu em 2001 durante a presidência de Fernando Henrique Cardoso, após o surgimento do problema de falta de eletricidade no país, caracterizado por apagões. Essa lei, segundo ele, deu ao governo instrumentos, por meio da utilização de equipamentos mais eficientes, para romper com a ideia que associa o aumento do consumo de energia ao aumento do PIB, que continua na base do sistema energético brasileiro.
O ex-presidente também enfatizou a importância da eficiência energética em suas falas. “A mesma ideia que existe de aumentar a eficiência energética é fundamental para tudo. O progresso no mundo se dá quando se aumenta a eficiência e não é quando se aumenta a oferta. Fazer mais depressa e mais barato para que mais pessoas usem com a mesma quantidade de esforço despendido. Essa foi a chave do crescimento da economia no mundo contemporâneo”, disse Fernando Henrique Cardoso. O ex-presidente destacou o papel importante das políticas públicas nesse processo.
O sociólogo e o físico também chamaram atenção para a importância da eficiência energética como uma ação dos consumidores. “Você, na sua casa, já pode tomar providências”, disse Goldemberg, citando o uso de lâmpadas mais eficientes. Fernando Henrique destacou a necessidade de mudanças nos hábitos de consumo: “é preciso que as pessoas introjetem na alma delas que é assim, que vão ter que participar também. Não é só deixar que a grande usina produza a energia. Você tem que, na hora que está consumindo, primeiro olhar qual é a eficiência dessa máquina. Existe eficiência energética? Eu vou consumir muito? É preciso consciência dos dois lados, tanto dos que tomam as grandes decisões, quanto dos que tomam as decisões do dia-a-dia. (...) São processos que terão que ser absorvidos pela cultura e transformados em políticas públicas”.
Goldemberg também lembrou a importância da eficiência energética na indústria: “a Lei de Eficiência Energética de 2001 foi praticamente aplicada pelo Procel apenas em aparelhos que se usa em casa, geladeiras, televisão, máquina de lavar roupas etc. Nada impede que a lei seja atualizada e seja aplicada para as indústrias”. Para o pesquisador, a eficiência energética também pode representar uma solução diante das dificuldades econômicas do país que surgirão na pós-pandemia, pois as medidas de conservação de energia ocorrem em pequena escala em oposição a grandes obras para a geração de eletricidade.
Uma das perguntas durante o debate trouxe à tona a questão da proposta de tirar recursos do Fundo de Eficiência Energética da Aneel e do Procel para destinar às concessionárias distribuidoras de energia elétrica como forma de cobrir os prejuízos com a crise. Essa proposta já foi apresentada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em Nota Técnica ao Ministério de Minas e Energia (MME) e afetaria os recursos do Programa de Eficiência Energética (PEE) e do Programa de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Fernando Henrique Cardoso se disse contrário à essa medida: “não pode haver tomar um fundo que foi feito para poder aumentar a eficiência energética e usar para outra coisa, porque a eficiência energética é muito importante”. O ex-presidente explicou que fundos como esses são pequenos em relação ao desafio que será retomar a economia, um processo que vai custar muito caro e que pode durar gerações. “Eu não tocaria nesses fundos. Eu acho que esses fundos são importantes porque são exemplificadores, eles pegam um tema que é central, que é fazer com que as pessoas vejam o resultado da sua ação e da ação das máquinas como uma coisa conjunta. Deixa esses pequenos fundos aí e não tenhamos ilusões”, completou.
Acesse aqui o estudo “Energia e desenvolvimento no Brasil”, de José Goldemberg. A gravação do webinar pode ser assistida aqui.
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